sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O adolescente autor de ato infracional




Fernanda Barcellos de Salles[1]

Vale lembrar que é de suma importância fazermos uma reflexão mais detida sobre a questão do adolescente em conflito com a lei, pois a violência social é um fenômeno que ocorre de forma crescente. O Estado não está conseguindo obter resultados efetivos que minimizem a criminalidade, sobretudo a juvenil. A experiência tem demonstrado que ações corretivas com excesso de rigor e que privam o adolescente de sua liberdade não produzem o resultado esperado, qual seja, sua recuperação.Assim, podemos simplesmente olhar o adolescente e seu ato infracional ou podemos dar um passo em direção a ele e tentar enxergar um pouco mais longe. O desafio apresentado refere-se em compreender as manifestações de violência para além do patamar explicativo que a relaciona à pobreza[2], mas não deixando de considerar que a violência também é uma questão social, ou seja, as desigualdades sociais.A forma como vem sendo aplicada a execução da pena em meio fechado, não está alcançando o real objetivo, qual seja, o de reeducar e ressocializar o adolescente autor de ato infracional. Ao contrário, deforma, perverte, corrompe e não recupera o adolescente, sendo esse um dos maiores causadores da reincidência e criminalidade violenta. Por essa razão é de suma importância uma abordagem restaurativa, tendo em vista que é reintegradora e permite que o transgressor repare danos e seja responsabilizado por seus atos.Importante que tenhamos consciência de que, tratar e recuperar o adolescente autor de ato infracional, implica, necessariamente, tratar e recuperar a família deste jovem, para que possamos resgatá-lo como elemento útil à sociedade.A intolerância social[3] para com o adolescente em conflito com a lei repercute das mais diversas formas. Desde os diálogos populares que atribuem aos adolescentes autores de atos infracionais a condição de “piores” marginais que os adultos criminosos; de cruéis; de sanguinários, o que é alimentado pela expectativa de violência, acobertados pela impunidade, até às políticas de exclusão voltadas a manter esta parcela indesejada da população afastada do meio social. [4] Cabe destacar que não será com preconceito e com omissão que superaremos as dificuldades que tem sido impostas no que tange os adolescentes autores de ato infracional, mas sim, com uma posição definida, com conhecimento de causa, que possibilite vislumbrar a preponderância do caráter pedagógico e humanitário de uma medida socioeducativa, em detrimento da reprodução da violência através da simples retribuição. Precisamos evoluir como sociedade. [5]Importante destacar que a vida desses jovens degrada-se em termos pessoais e sociais. Essa degradação dá origem a uma violência exagerada que somente poderá ser reduzida ou combatida a partir de propostas que não sejam somente repressivas, mas é fundamental que sejam educativas e que permitam solucionar a vulnerabilidade a que esses adolescentes são expostos.Importante destacar que o jovem atual tem cada vez mais dificuldades em discriminar quando está lutando pelos direitos humanos e contra a justiça e quando está sendo manipulado ou anestesiado por grupos adultos. A referida discriminação somente será possível quando a sociedade fornecer aos jovens condições para desenvolverem sua capacidade de pensar e isso somente será possível quando os adultos também a tiverem, recuperando sua humanidade e condição ética. Para tanto, a sociedade deve repensar, e tudo indica que é isso que está ocorrendo, cada vez mais. As pessoas estão intuindo que sua vida de correria, de competição e de desprezo pelo outro, de consumismo e coisificação, resulta num vazio interior, cada vez mais insuportável. [6] São raros os jovens presos cujos sentimentos sejam toscos a ponto de desconhecer a linguagem do amor. A justiça restaurativa enfrenta o dano causado e o enfatiza, considerando, antes de qualquer coisa, a necessidade da vítima e a importância desta no processo legal. Implica, ainda, em responsabilidade e compromisso que o infrator assume que a justiça convencional interpreta somente através da pena, imposta ao condenado para compensar o dano e que, na maior parte dos casos torna-se irrelevante e até mesmo contraproducente.Necessário se faz trabalhar com os jovens autores de atos infracionais as memórias dos seus crimes, de seus males, suas vítimas. Trabalhar seus enganos, suas drogas e vazios, sofrimentos, pesadelos, suas mães, seus amores. Sim, suas mães[7] e seus amores, são raros os jovens presos que não possuem o acompanhamento de um desencanto, do choro de uma mãe ao ver o filho no fundo de uma cela da FASE. [8]O delinqüente precisa aprender que ele é alguém de valor, que ele tem o poder e responsabilidade suficiente para tomar boas decisões. Ele precisa respeitar os outros e seu bens. Ele precisa aprender a lidar pacificamente com frustrações e conflitos. Ele precisa a lidar com as coisas. Na prisão esse transgressor absorverá um padrão distorcido das relações interpessoais. A dominação sobre os outros será seu objetivo, seja no caso do parceiro matrimonial, dos contatos comerciais ou dos amigos. O cuidado amoroso será visto como uma fraqueza. E os fracos existem para serem explorados. [9]Importante salientar que para a maioria desses jovens, é uma constante em suas histórias de vida, lutas infindáveis de desesperança, abandono e solidão. Até mesmo a escola que deveria ocupar um papel de inclusão social, de pertencimento para esses adolescentes, nem sempre permite tal fato. Prates ao realizar uma crítica quanto à alardeada insuficiência de punição ao adolescente autor de ato infracional refere que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em se tratando de ato infracional e se literalmente aplicado, é adequado no aspecto punitivo, o qual se reitera, não privilegia e é pedagogicamente excelente. [10]
Destaca-se que quando estamos frente a um jovem que cometeu um delito num determinado momento de sua vida e que recebeu uma medida socioeducativa para cumprir, existe uma história, a princípio, fragmentada, pois o ato infracional já foi cometido. Não podemos voltar no tempo e impedi-lo de cometer o delito, ou seja, estamos diante de um fato consumado.Assim, nesse contexto, interessa mais à sociedade que esses adolescentes autores de atos infracionais sejam corretamente tratados, sendo desnecessária sua segregação social para o intuito de resgatá-los à cidadania e não colaborar para seu ingresso na marginalidade. Forçando-o, dessa forma, ao convívio com elementos de outras cepas, de outras histórias, e sem nenhum apoio na área pedagógico-educacional, reflexo da lamentável omissão do Estado, despreocupado em resgatar o cidadão, daquele que, eventualmente, comete infração, pouco se importando com a deteriorização causada ao ser humano submetido às condições adversas, tais como, as observadas nos centros de internação de adolescentes. Portanto, quem entende que a rigidez seria a resposta eficaz, a solução mágica, remédio para todos os males, está, na verdade, tentando esquecer que o problema da criminalidade possui outras raízes, qual seja de caráter eminentemente social.



[1] Especialista em Ciências Penais.
[2] Entende Teixeira que os pobres não são os únicos agentes e vítimas da violência. Embora exista e seja estimulada, pelos meios de comunicação de massa e setores mais reacionários da opinião pública, a representação social que associa os pobres às classes perigosas e, conseqüentemente, as crianças e adolescentes pobres sejam vistos como perigosos ou potencialmente perigosos os pequenos bandidos. É, portanto, sobre eles que incide o aparato repressivo - policial ou repressivo assistencial. (TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Liberdade assistida: uma polêmica em aberto. São Paulo: Forja Gráfica e Editora Ltda. 1994, p.6)
[3] Nesse sentido esclarece Luiz Flávio Gomes que “A sociedade só se tranqüiliza quando há a aniqulilação do delinquente( prisão peréptua ou morte, é o que satisfaz) e as “necessárias” reformas legislativas. A vingança popular, catalizada pelos meios de comunicação, sobretudo quando encontra um familiar mediático que assume um “bom” protagonismo social e político, tem sido, nos útlimos anos, um dos (mais relevantes) guias da política criminal em muitos países”.Gomes, Luiz Flávio.Mídia, Direito Penal e Vingança Popular. Disponível em: http://www.novacriminologia.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=2479. Acesso em 18 jun. 2009.
[4] SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed. Revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 43.
[5] PRATES, Flávio Cruz. Adolescente infrator. 1. ed. 2. tiragem. Curitiba: Juruá, 2002. p.79-80.
[6] LEVISKY, David Léo. Adolescência pelos caminhos da violência: a psicanálise na prática social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. p. 19.
[7] Carta que toda Mãe gostaria de enviar a um filho presidiário: “É bem provável que você lembre do que esses falsos amigos lhe prometeram, a que mundo estranho o transportou: um mundo que envolvia garotas, drogas e venda de coisas proibidas, - mas que davam dinheiro. E... um mês depois, lá estava você com eles, puxando maconha, envolvido num mundo sem amor e sem sentido. E é bom rever o passado, para que possa entender que aqueles seus ‘amigos’ queriam que você participasse do grupo deles só porque haviam conquistado um freguês tão inteligente, quanto estúpido. É necessário que, hoje, você os encare como seres que: quando você pediu amor, o ensinaram a odiar...quando você pediu compreensão, lhe mostraram a discórdia...quando você pediu carinho, lhe deram o endereço do prostíbulo;quando você pediu alimento, lhe deram maconha e bolinha... e o reduziram ao estado que eles quiseram, pois, mais tarde, você foi surpreendido roubando para manter o vício e eis o lastimável resultado: numa cela, mais abandonado, pior do que antes, porque agora você está preso, com certeza, por dentro e por fora!”. (OTTOBONI, Mário. Cristo sorrindo no cárcere. 2. ed. São Paulo: Ed Paulinas, 1977, p.21-22).
[8] A Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE), vinculada à Secretaria da Justiça e Desenvolvimento Social, é o órgão responsável pelas medidas sócio-educativas privativas de liberdade no Estado: internação e semiliberdade.
[9] ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. - São Paulo: Palas Athena, 2008. p. 38.
[10] PRATES, Flávio Cruz. Adolescente infrator. 1. ed. 2. tiragem. Curitiba: Juruá, 2002. p. 45.

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