quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CRIMES SEXUAIS: INOVAÇÕES DA LEI Nº. 12.015\2009



"A Autoridade da Justiça é moral e sustenta-se pela moralidade de suas decisões".

Rui Barbosa


         O estupro e o atentado violento ao pudor, antes do advento da lei Nº. 12.015\09, vinham descritos em artigos diversos. A saber: o crime de estupro era definido pelo art. 213 do CP, com relação à pena, pelo art. 5º da Lei nº. 8072\90: ”Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de seis a dez anos.” Diz respeito ao delito de constrangimento ilegal em que se almeja a prática de conjunção carnal. (MIRABETE, 2000, p.409)
Cabe destacar que a lei 8.072 definiu o crime de estupro como hediondo.
Já o atentado violento ao pudor estava disciplinado no art. 214, CP, com a pena alterada pelo art. 6º da Lei nº. 8.072: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de seis a dez anos.” (MIRABETE, 2000, p. 415)
A Lei nº. 8072 também classificou o crime de atentado violento ao pudor como hediondo.
Assim sendo, o autor deste tipo de delito não pode ser beneficiado com anistia, graça ou indulto.
Com o advento da Lei nº. 12.015\09 ocorreu uma fusão entre os arts. 213 e 214 do CP. Ou seja, o atual crime de estupro compreende, além do próprio estupro, o antigo atentado violento ao pudor. Assim ficou redigido:

“TÍTULO VI:

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”

Vale lembrar que a revogação do art. 214 trouxe importantes modificações. Primeiramente, se antes a jurisprudência relutava em admitir a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, sob o argumento de que não eram crimes da mesma espécie, após esta fusão entre os artigos 213 e 214, CP, resta superado o referido argumento.
Em apertada síntese, o atentado violento ao pudor passou a ser modalidade de estupro e, tanto homem quanto a mulher podem cometer o crime de estupro.
Há a possibilidade de revisão criminal aos condenados em concurso material pela prática destes tipos penais, a fim de que seja reconhecida a continuidade delitiva.
Com a aplicação da Lei nº. 12.015, a qual definiu os crimes de atentado violento ao pudor e de estupro, passou-se a tratar os referidos crimes como passíveis de uma única conduta.
Assim tem sido o entendimento da Sexta Turma do Tribunal Superior de Justiça (STJ):

HABEAS CORPUS. DOIS ATENTADOS VIOLENTOS
AO PUDOR E TENTATIVA DE ESTUPRO. INFRAÇÕES COMETIDAS, ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI
Nº 12.015/09, EM SEMELHANTES CONDIÇÕES DE TEMPO, LUGAR E MANEIRA DE EXECUÇÃO, GUARDANDO IDENTIDADE. ATOS POSTERIORES HAVIDOS COMO CONTINUIDADE DO PRIMEIRO. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO.

Diverso é o entendimento da 5ª Turma do STJ, a saber:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROVAS PARA A CONDENAÇÃO.
EXPERIÊNCIA DAS VÍTIMAS. CRIME HEDIONDO. LEI Nº 12.015/2009.
ARTS. 213 E 217-A DO CP. TIPO MISTO ACUMULADO. CONJUNÇÃO
CARNAL. DEMAIS ATOS DE PENETRAÇÃO. DISTINÇÃO. CRIMES
AUTÔNOMOS. SITUAÇÃO DIVERSA DOS ATOS DENOMINADOS DE PRAELUDIA COITI. CRIME CONTINUADO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

Importante salientar que a 6ª Turma do STJ, como já referido, entende que o crime de estupro e atentando violento ao pudor trata-se de crime único, permitindo, dessa forma, uma continuidade delitiva.
Por outro lado, conforme o entendimento da 5ª Turma do STJ, este tipo de entendimento enfraquece a proteção da liberdade sexual porque sua violação é crime hediondo que deixa marcas permanentes nas vítimas.
A discussão versa sobre a interpretação que está sendo dada ao art. 213, CP, isto é, com a revogação do art. 214, CP, deixou de existir o crime de atentado violento ao pudor, a lei ficou mais branda, sendo assim, retroage para beneficiar o réu. Os condenados por atentado violento ao pudor em concurso com estupro, configurando crime único, isto é, o crime de estupro absorveria as demais condutas.
Entende a 5ª Turma que não se trata de crime único. Para esta Turma existe um concurso material, ou seja, uma pluralidade de crimes.
No entanto, penso que o entendimento da 5ª Turma é equivocado, pois se trata de crime único, porém deve ser punido com mais severidade devido sua pluralidade de ações.
O crime continuado se dá quando o agente, mediante mais de uma conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os subseqüentes, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como continuação do primeiro. São diversas ações, cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como crime único. Vale lembrar que a regra do crime continuado deve ser aplicada tendo em vista o caso concreto e sob a inspiração das mesmas razões da política criminal que os inspiram. (BITENCOURT, 2003, p.567)
Dessa forma, o crime de estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados contra a mesma vítima, em um mesmo contexto, trata-se de crime único, admitindo a continuidade delitiva.
Para FOUCAULT, encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um delito. É uma arte das energias que se combatem, arte das imagens que se associam, fabricação de ligações estáveis que desafiam o tempo. A punição ideal será transparente ao crime que sanciona; assim, para quem a contempla, ela será infalivelmente o sinal do crime que castiga; e para quem sonha com o crime, a simples idéia do deito despertará o sinal punitivo. (FOUCAULT, 1987)
Por fim, com base na nova Lei nº. 12.015, quem pratica coito anal e vaginal contra uma mesma vítima, tanto homem quanto mulher, pratica crime único e não uma pluralidade de crimes.


Fernanda Barcellos






Nenhum comentário:

Postar um comentário