sábado, 22 de janeiro de 2011

O direito à angústia


Pode ser mera traição da memória (e, se for, não fará mal a ninguém), mas creio que o antropólogo Roberto da Matta foi o primeiro intelectual a colocar em debate os conceitos de carnavalização da cultura brasileira e de socialização da angústia.
A carnavalização frequenta até hoje a agenda dos teóricos. E alguns até fingem que a inventaram. Já a socialização da angústia, por desafiar preconceitos mais arraigados, desapareceu do palco.
Nem as estrelas da mídia, suspeitas de cultivar a síndrome do sucesso a qualquer preço, quiseram se arriscar nesse território minado, por receio de desagradar os príncipes pensantes da esquerda, eternos donos da verdade.
Angústia, crise existencial e solidão sempre foram luxos próprios da burguesia decadente, na visão desses nobres pensadores, cuja religião ensinava que operários e camponeses – trabalhando de sol a sol e passando fome – eram livres de contágio.
Não percebiam - e alguns ainda não querem perceber – que negar a essa classe o direito à angústia (sentimento próprio dos humanos), significava reduzir o proletariado ao papel de soldado da revolução, da mesma forma que o capitalismo reduz o operário a apêndice da máquina.
- Quem trabalha dia e noite não sabe o que é angústia – afirmavam os teóricos leninistas, nas reuniões do partido.
Embora aparente estar na contramão, é a mesma lógica da propaganda comercial de hoje, no Brasil, quando induz a classe operária a acreditar que a TV de plasma e o carro do ano trazem felicidade e livram a família inteira do vazio existencial.
Já que a idéia da socialização ou democratização da angústia não criou raízes no país do carnaval, sugere-se que os leninistas sobreviventes e os novos vendedores de automóveis desfilem juntos, este ano, no bloco carnavalesco “Unidos contra a Depressão”.
Na quarta-feira, tudo vira cinza. E a angústia volta.


Tião Martins

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