quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Era da Ansiedade



Atualmente, é pecado, quase crime, falar de ansiedade. O assunto é tabu, verboten, forbiden, vietato, prohibido, tabou ou qualquer outra língua que você escolher. Cavalheiros e damas da melhor sociedade, se forem consultados, preferem falar de sexo e da vida alheia, para não encarar a ansiedade, apontada como o mal de todos os males.
Afinal, na melhor sociedade, o sexo tem regras, normas e resultados mais ou menos previsíveis, de acordo com o grau de conservadorismo dos participantes, enquanto a ansiedade é traiçoeira e não revela suas armas.
Se o garoto se sente ansioso, vai jogar capoeira ou azarar a filha da vizinha. Se a menina sente algo no peito além do sutiã, a mãe corre com ela para a psicóloga. E os adultos, que já passaram muitas vezes por isso, vão a um show humorístico ou esvaziam na praia e no botecos suas ansiedades de cada dia.
É a doença da moda, o assunto da moda. E cada um tem sua receita para essa fuga cotidiana da ansiedade, como se fosse algo que só veio para estragar a vida dos inocentes. Dizem que só os baianos se orgulham de não dar asas à ansiedade. E acrescentam que o remédio deles é o mesmo que usam contra a vontade de trabalhar: “Fique bem quieto no seu canto, bichinho, que essa vontade passa”.
Claro que essa brincadeira com típico humor paulistano não corresponde à verdade. Baianos não só odeiam a ansiedade como também trabalham muito. Tanto quanto qualquer outro brasileiro. O problema é que eles têm sol, praia, trio elétrico, rebolation e baianas, muitas e dispersivas baianas. Aí, ninguém resiste.
Se você não está na Bahia e trabalha no relatório anual da empresa, nas estatísticas sobre perdas & ganhos ou em uma tese de mestrado ou doutorado, certamente acordou cedo hoje, com a férrea disposição de seguir em frente. Pode até deixar o almoço para mais tarde, porque a ansiedade roubou o apetite e é capaz de recusar o convite da namorada para um banho de banheira, com ou sem sais.
Assim, chegará às sete da noite com o sentimento de que é um campeão moral. Acontece que esse título nem sempre traz consequências agradáveis. Se lhe falta tempo para tudo que há de bom na vida, é provável que a estrela do próximo ato seja uma vigorosa úlcera no duodeno.
Você concluirá seu relatório antes dos demais, as estatísticas terão belas cores na segunda-feira ou a sua tese ganhará enfim o toque de verdade que irá comover aquele orientador frustrado e ressentido. Você consultou números, papeis e 438 livros, fez anotações, preencheu quadros e diagramas, produziu ideias que parecem novas e já se sente aceito, promovido ou plenamente doutorado.
E já que mergulhou tão fundo no oceano da ansiedade, deveria estar feliz, ao final do dia. Deveria, mas se sente frustrado, vazio, castrado. Tanto esforço para isso? Talvez você se enquadre no grupo dos que atribuem ao destino essa escravidão. Ou talvez ponha a culpa no século XXI, desmiolado e imaturo.
Se continuar assim, alguém ainda vai lhe dizer, no meio da festa, que você é escravo do mal do século. Este século sem pudor, no qual a ansiedade virou destino, da mesma forma que, no século XIX, sofríamos de melancolia e, no XX, de terror, devido à aproximação da guerra nuclear.
Ninguém precisa viver ansiosamente para ser moderno, só porque um autor qualquer juntou as palavras “mal” e “século”.
Os biólogos, mais fatalistas que os filósofos e os historiadores, dizem que a ansiedade é nossa companheira desde o tempo em que vivíamos na copa das árvores ou no fundo das cavernas. Logo, a espécie humana é mais incompetente do que se imaginava, pois nada aprendeu, em milênios.
Modernas, radicalmente modernas, seriam a felicidade e a paz, cuja existência negamos, para comemorar tres séculos de melancolia, medo e ansiedade (sentimentos que se somam e se confundem, na memória coletiva).
Inventamos o fogo, que serviu para queimar árvores. A roda, que nos fez dependentes do automóvel. E as raças, que resultaram na Alemanha de Hitler e na política de cotas raciais das universidades públicas brasileiras.
Tudo isso leva à conclusão de que a ansiedade não é de ontem ou de hoje, mas vem de um equívoco milenar: quando se deixa de lado o essencial (como a namorada esperando na banheira), em troca de sucesso, posição, dinheiro e poder, o inferno pessoal fica mais perto, lá dentro de você. E queima.


Tião Martins

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