quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O jogo do poder


Quem já passou por perto de alguma instância de poder político sabe que o jogo é pesado e sedutor. É raro que alguém, podendo renunciar a ele sem grandes perdas, abra mão até das migalhas do poder. O que poucos compreendem é que o poder jamais é inocente. Ao mesmo tempo em que concede direitos, rouba um pedaço do que ainda havia de humano nos poderosos.
Essa espécie de barganha, na qual as pessoas trocam a ética e a integridade por uma posição de força diante das demais, é sempre um péssimo negócio. Quem trai a ética, a integridade e humanismo nunca mais se recupera, assim como todo abuso de poder marca para sempre a biografia de quem age assim.
Deixando de lado o poder do Estado em todos os níveis, cujos abusos são desnudados frequentemente (ainda que isso não mude sua natureza), há outras instituições que vão sistematicamente além de qualquer limite aceitável. Pense, por exemplo, nas religiões. Ou na família.
Ainda há no Brasil milhões de famílias nas quais um chefe poderoso estabelece e impõe suas leis à mulher e aos filhos. E isso não acontece apenas nas regiões Norte e Nordeste, como querem alguns. Faça um tour pelo Sudeste, Centro-Oeste e Sul e você verá que a paisagem humana não difere tanto das demais.
Isso não significa que as mulheres aceitem, em silêncio, o poder discricionário do homem. Ao contrário, é cada vez maior o número daquelas que rejeitam e desafiam essa ditadura masculina, mas ainda são minoria. E milhares de outras se rendem às ameaças e à violência explícita dos pequenos ditadores domésticos, que emitem e eles próprios cumprem a sentença punitiva.
Ainda bem que está crescendo o número das mulheres que colocam a sua dignidade em primeiro lugar e desafiam os “diktats” dos microimperadores, mesmo correndo o risco de ter que buscar um abrigo público, após a primeira agressão. A paulistana Lenita, por exemplo, proclamou bem cedo a sua própria liberdade e expõe os fundamentos do seu gesto:
- Mulher de verdade é aquela que não se conforma com a idéia ultrapassada de que somos frágeis e temos sempre que estar atrás dos homens. É aquela que luta por sua liberdade e seus projetos, sejam eles quais forem. Não sou melhor que ninguém e ninguém é melhor do que eu. E nunca é cedo ou tarde demais para começar a viver.
Lenita não aceitou ser “rainha do lar”, por falta de vocação, e defende a tese de que cada pessoa deve se dedicar ao que sabe fazer melhor e lhe dá prazer. O marido resistiu e endureceu o jogo, prometendo represálias, mas ela seguiu em frente, dando aulas e reinventando a si mesma. Ouviu as ameaças e respondeu com a sugestão do diálogo e da racionalidade.
- Não estou inteiramente feliz, porque nessa caminhada o amor se perdeu. Mas recuperei o respeito pelo marido, como ser humano capaz de refletir e mudar. E poupei meus dois filhos da exposição à violência. Creio que foi um grande passo à frente. E quero continuar nesse rumo.
São meninas assim, de todas as idades, que estão mudando o mundo e a cabeça dura de certos homens. Só não vê quem não quer.


Tião Martins


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