segunda-feira, 7 de março de 2011

DELAÇÃO PREMIADA COMO VALOR MORAL: TRAIÇÃO E SOCIEDADE


            A Lei Nº 8072-90 - Lei dos Crimes Hediondos - estabelece em seu art. 8º, § único que: “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu demantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.”
            Importante referir que diante de um Estado Democrático de Direito há a necessidade da punição, de forma proporcional, ou seja, a sociedade necessita da intervenção do Direito Penal em condutas tipificadas como crime e de grande relevância. No entanto, jamais pode haver pena sem crime. Tal preceito consta em nosso Código Penal em seu artigo 1ª: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
 O que entende-se por crime? A Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro traz a seguinte definição de crime: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” Ou seja, tal lei define crime como “uma ação típica e antijurídica.”
            O crime, na consciência coletiva, é, basicamente, o mal, a face negativa dos instintos e apetites humanos. O conceito de “mal”, por outra parte, está ligado a idéias religiosas muito arraigadas na formação cultural de nossa área, e ainda mais em outras culturas, como as islâmicas, nas quais o Alcorão permite resolver, segundo as leis de Talião, conflitos com condutas proibidas. Todos querem ser detetives, todos querem opinar sobre um crime, todos querem ser juízes ou carrascos em certos casos que apresentam muita repercussão social. Todos querem livrar a sociedade dos criminosos, o que é uma extirpação do mal, no melhor estilo São Jorge contra o Dragão. (ELBERT, 2003, p.23).
            Assim, crime é a realização de um risco não permitido. Crime não é só causar um resultado (causalismo), não é só atuar finalísticamente (finalismo). A vontade, maliciosa, por si só não configura crime.
            Penso que somente os crimes de grande relevância devem receber a intervenção do Direito Penal, necessário se faz utilizarmos de outras formas de intervenção, mais eficazes e menos degradantes para crimes de pequena ofensividade.
O simples encarceramento, ao longo da história, não cumpriu sua função, qual seja a ressocialização do indivíduo. Pelo contrário, cria cada vez mais delinqüentes.
            No que tange a delação premiada, há diversos institutos que trazem este “benefício”, tais como: Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072-90, art. 8º, parágrafo único), Lei do Crime Organizado (Lei nº 9035-95), Código Penal (art. 159, 4º- extorsão mediante seqüestro), Lei de Proteção a vitimas e testemunhas (Lei nº 9807—99, arts. 13 e 14), Lei de lavagem de capitais (Lei nº 9613-98, arts 1º e 5º)  e Lei antitóxicos (Lei nº10.409-2002, arts. 2º e 32).
            Vale aludir o grande debate de cunho moral que existe em torno da delação premiada. De um lado, os que consideram um grande absurdo ético, tendo em vista que trata-se de um incentivo a traição. De outro lado, considera-se um excelente mecanismo de combate à criminalidade organizada.
A delação premiada trata-se de um estímulo à verdade processual, semelhantemente à previsão da confissão espontânea como circunstância atenuante no Código Penal (art. 65, III, "d", do Código Penal), sendo, portanto, instrumento que ajuda na investigação e repressão de certas formas de crimes, notadamente aqueles que apresentam conotações organizadas.    
            Damásio Evangelista de Jesus (1999, p. 05), ao traçar suas primeiras idéias acerca do tema, concluiu que a medida deve ser empregada com prudência, devendo ser reservada para casos de relevância.
        Necessário se faz analisar a finalidade da pena. Qual a finalidade da pena¿ Cumpre ressaltar que o direito penal possui três finalidades. A primeira finalidade do Direito penal: entendido como aqueles bens imprescindíveis para satisfazer necessidades fundamentais do indivíduo em sociedade.
A segunda finalidade surge da necessidade do Estado proteger o indivíduo contra reações sociais que o próprio crime desencadeia. E por fim, a terceira finalidade diz respeito a garantia da aplicação dos princípios, direitos e garantias penais previstos na Carta maior.
Vale dizer que o direito penal deve intervir em casos de grande relevância. Cabe ressaltar, também, que o instituto da delação premiada não deve ser usada de forma irresponsável, estendendo à todos os delitos, uma vez que tal instituto estimula  a traição, prática que é repudiada pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.
Juarez Cirino dos Santos aduz que a delação premiada estimula o oportunismo egoísta do ser humano, amplia o espaço de provas duvidosas produzidos por “arrependidos”, que conservam o direito de mentir.
O Estado ao se valer da delação premiada de forma indiscriminada, em qualquer delito, estará assumindo sua incompetência investigativa. O Estado acaba ocupando um papel hipossuficiente diante do criminoso ocasionando a destruição do direito penal com a banalização da delação premiada.
Assim, a admissão da delação premiada é o mesmo que institucionalizar a traição. Nietzsche refere que a Justiça começou por dizer: “Tudo pode ser pago e deve ser pago” é a mesma que, por fim, termina com todas as coisas boas no mundo, suprimindo-se a si mesma. Essa autodestruição da Justiça é chamada graça e é privilégio dos mais poderosos, melhor, daqueles que estão além da justiça. (NIETZSCHE, 2007, P.70)
O Poder disciplinar age como se tudo tivesse um preço, como se tudo pudesse ser pago, até mesmo nossos princípios morais, nossa ética, nossa dignidade como ser humano.
Diante deste sistema penal perverso, degradante, desumano, torpe e cruel, somado a hipocrisia do Estado em ocultar os verdadeiros fins da pena, é necessário buscarmos alternativas que, embora longe de solucionar os problemas, possam, ao menos, amenizá-los. Mas, para isso, urge admitirmos o fracasso da pena de prisão.” (CARVALHO, 1997, p.143)
Por fim, diante do que foi exposto, entendo que a delação premiada para os demais crimes não se mostra como solução eficaz para combater e solucionar a criminalidade no Brasil. A delação premiada, apesar de útil em alguns casos, tem sacrificado os mais nobres valores em nome de um pretenso fim mais alto, a segurança.


Fernanda Barcellos

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