quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A quadrilha do estupro.



Passados o som e a fúria dos debates em torno do possível estupro ocorrido diante das câmeras da Rede Globo, vamos retomar o assunto com calma e em voz baixa, pois a gritaria impede o raciocínio e a compreensão do caso.
Quanto ao fato em si – se delituoso ou não – restam mais dúvidas que certezas. Os telespectadores mais irados garantem que houve estupro, sim, mesmo que nada tenham visto, já que o casal se protegeu dos olhares curiosos.
O que se viu foi apenas uma sequência de movimentos do rapaz, enquanto a moça permanecia quieta. Mas há moças quietas e moças inquietas. E ainda não se sabe a qual categoria pertence aquela. Entretanto, sendo experientes no ramo, os barulhentos não tiveram dúvidas de que se tratava de típica “conjunção carnal”, como juízes e advogados apelidam o ato sexual.
E conjunção carnal, sem explícita cumplicidade da parceira, é estupro, segundo a lei e a moral vigentes. Pior ainda, teria sido “estupro de vulnerável”, pois a moça, que momentos antes aparecera embriagada, estaria sem condições de dizer sim ou não.
Segundo a lei brasileira, qualquer pessoa, de qualquer idade, desde que não possa responder por seus atos, é considerada vulnerável, se sofrer abuso sexual. Em interpretação mais radical, até um simples beijo na boca, não sendo consensual, é “estupro de vulnerável”. É ir longe demais, até para os moralistas profissionais.
Se dermos essa interpretação às leis, os dirigentes da emissora e os responsáveis pela produção e direção do programa deveriam ser exemplarmente punidos por indução ao estupro de vulnerável, pois forneceram música, bebida, casa e cama para que tudo acontecesse. E, em consequência, seriam punidos, no mínimo, por danos morais contra o casal.
Construir um clima favorável às relações amorosas e, em seguida, gravar cenas de um casal que realiza tudo aquilo com que a empresa contava para escapar da pífia audiência do programa, é violar a intimidade e privacidade dessas pessoas. E o que é pior: para ganhar dinheiro.
Alguém pode refutar essa tese argumentando que os participantes do programa assinam contrato que autoriza a gravação de tudo que fizerem diante das câmeras. Neste caso, a lei pune, com severidade, a exploração comercial da pornografia. E, no Brasil, sexo explícito em público ainda é pornografia.
Entre quatro paredes, duas pessoas adultas, embriagadas ou não, podem se entregar uma à outra e realizar as fantasias mais loucas, pois isso não diz respeito a mais ninguém. Mas se uma delas registra, para vender, as imagens da festa, é caso de polícia.
Armando o cenário, remunerando personagens e vendendo sexo, a Rede Globo de Televisão tornou-se, portanto, um caso de polícia. E pouco importa a autorização do casal, que será mero cúmplice, assim como os técnicos, os profissionais que vendem espaços publicitários, os assinantes do programa e as empresas patrocinadoras.
Visto por esse ângulo, trata-se de um caso típico de formação de quadrilha. A maior e mais poderosa que já atuou no Brasil. Se houver um valente procurador disposto a assinar a denúncia e um juiz que instaure o processo, para que todos recebam as penas merecidas, ninguém mais duvidará de que há lei e justiça neste país.
Mas a questão central ficou para o fim da novela: será que a maioria dos brasileiros desaprova a pornografia até o ponto de aplaudir essas punições? Ou seria melhor rever a lei, para que não se torne letra morta e ridícula?


[Tião Martins]

Nenhum comentário:

Postar um comentário