terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A Defesa tem a palavra!

(...) retorna a defesa com o criminalista Evandro Lins e Silva: "Senhores jurados! Procurarei represar, neste tempo que me resta, os fundamentos da defesa, no seu sentido jurídico, do ponto de vista da instituição do Júri.
Não estou falando para juízes togados, estou falando para jurados. Vou pleitear do Júri uma solução humana, uma solução que me parece justa e acredito que os jurados concordem comigo, porque é a solução mais adequada, do ponto de vista familiar, social, humano.
A profissão do advogado é paradoxal: quanto mais fácil a causa, maior a sua responsabilidade. E esta causa, eu disse desde o começo, que a mim me parecia, à minha compreensão de velho advogado, que passou também pelo Ministério Público - eu fui procurador- geral da República -, e que foi também juiz, no Supremo Tribunal Federal, sempre me pareceu de fácil sustentação perante o Júri.
Vamos procurar, senhores jurados, encontrar uma solução.
A lei obriga o Júri a responder a quesitos, que envolvem questões técnicas, mas o Júri não tem compromissos doutrinários. O Júri é finalístico e quer chegar a determinado resultado. Assim, proposta uma justa solução, o Júri pode dá-la, o Júri tem soberania, o Júri é soberano em suas decisões.
O Júri pode decidir contra a prova dos autos? Sim, pode. O Júri pode negar a autoria? Pode negar a autoria!
E se ele negar duas vezes, acabou-se, a decisão é definitiva, é soberana. Senhores jurados, temos que insistir no binômio acusado-vítima. O Júri já viu que este moço apaixonou-se, apaixonou-se perdidamente. E a paixão sempre é cega, não é boa conselheira. Quando a paixão se torna obsessiva, quando a pessoa se deixa marcar por ela, vem o ciúme a dominá-lo, ele vai se escravizando à paixão, vai se deixando subjugar pelo objeto amado.
E, então, toda a visão que ele tem dos valores da vida se deforma. Ele passa a viver em função daquela idéia fixa, que é a mulher amada. É claro que ele vai se descontrolando em tudo o que faz, minadas as suas resistências pela paixão doentia que o avassala.
Isso acontece, como diz neste livro magnífico um dos grandes juízes do Brasil, que se chama Edgard de moura Bittencourt, livro sobre a vítima, Vitimologia, a Dupla Penal Delinquente-Vítima, quando um homem cai nas garras de uma "mulher fatal."
A "mulher fatal", esse é o exemplo dado para o homem se desesperar, para o homem ser levado, às vezes, à prática de atos em que ele não é idêntico a si mesmo, age contra a sua própria natureza.
Senhores jurados, a "mulher fatal", encanta, seduz, domina, como foi o caso de Raul Fernando do Amaral Street.
Meu mestre Evaristo de Moraes, dizendo ser idêntica a opinião de Ferri, Corsi, Bonano, Florian, Melussi e Holtz, escreveu em Criminalidade Passional, à fl. 69: "Quando a boa índole do criminoso, o seu passado honesto, a qualidade moral e social dos motivos e a forma apenas violenta da execução do crime, seguida de manifestações de arrependimento ou de remorso, mostrarem que o mesmo crime - passional ou emotivo - foi um triste e doloroso episódio na vida normal do criminoso, não há razão para lhe ser aplicada alguma pena, ainda mesmo que não desonrosa. Toda repressão seria inútil e, como tal, iníqua."
Depois de dissertar longamente sobre o estado de legítima defesa em que se encontrava o seu cliente, Evandro Lins e Silva começou a peroração: "Senhores jurados, eu me despeço desta Tribuna, e vou deixá-la com muita saudade, porque a minha vida está ligada ao Júri que eu, de agora em diante, para não ficar longe dela, virei assistir aos meus colegas Heleno, Evaristo,George, todos eles, dr. Fador, dr. Eden... Eu gostaria de assistir a Júris...mas não gosto, não.
Fico tão agoniado quando estou assistindo a um Júri, que tenho vontade de interferir, quero participar.
Isso torna impossível assistir tranquilamente a um Júri, eu me angustio, quero intervir.
São quase 50 anos de convívio com o Júri.
Srs. Jurados, chego ao fim, tenho pudor das despedidas mais dramáticas, talvez outros beijassem a Tribuna para se retirar.
Era assim que se fazia antigamente, de modo teatral, e os advogados, como o antecessor de Evaristo de Moraes no Júri, o notável Alberto de Carvalho, quando o promotor agredia o réu, ele retirava a beca e a jogava sobre a cabeça do acusado, para que as injúrias não o atingissem e usava o latim habitual na época: "Reo res sacra est" - o réu é uma sagrada.
Estes gestos espetaculares ele repetia sempre.
Certa vez, Evaristo de Moraes defendia o próprio pai no Júri, e ele, Alberto de Carvalho, depois da defesa brilhantíssima de evarisrto, saiu da platéia, subiu à Tribuna e osculou, como diz o livro, Beijou a testa do grande Evaristo.
Jurados, despeço-me do Júri e, para ventura minha, a despedida se dá neste lindo sítio do Brasil, neste lindo recanto do mundo, nesta cidade magnífica e deslumbrante, que é Cabo Frio.
Jurados, procurei cumprir o meu dever de velho advogado. De fato, foi um risco que assumi, contra a vontade da minha família, dos meus filhos, que aqui estão todos presentes.
Saio realmente desta Tribuna, despedindo-me dela e esperando que a emoção não me domine neste final.
Jurados, julgai-o. Eu confio na vossa consciência, eu confio na vossa justiça, eu sempre confiei no Tribunal do Júri do meu país, e hoje, o meu país, no Júri, está representado pelos jurados da cidade de Cabo Frio.
Absolvei-o, jurados, e tereis feito justiça! (Aplausos prolongados, o orador não contém as lágrimas e é cumprimentado por seus colegas.) O conselho de sentença aceitou a tese do excesso culposo no estado de legítima defesa e o juiz fixou a pena de dois anos de detenção ao réu, concedendo-lhe o direito ao "sursis". A assistência aplaudiu a proclamação do resultado.
Posteriormente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio anulou o julgamento, mandando Raul Fernando Street a novo Júri. Neste segundo julgamento, no qual não participou o advogado Evandro Lins e Silva, o réu foi condenado a cumprir pena de homicídio.

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