sábado, 15 de janeiro de 2011

Não há mentira inocente.


A inesquecível atriz Lilian Lemmertz sempre levou na carteira, como se fosse um mantra, este verso camoniano e incrivelmente moderno: “Anda tão unido o meu tormento, comigo/ que eu mesmo sou meu perigo”. E é dessa fonte que nascem as reflexões que se seguem, sobre o nosso “tempo de homens partidos”, que Drummond de Andrade resumiu em belo poema.
Os humanos não somos os únicos seres sujeitos à dor. Mas certamente somos os únicos a acreditar na felicidade. E aí vem o paradoxo: também somos os únicos viciados na arte de mentir para nós mesmos e para os outros, sem perceber que a mentira é inimiga da liberdade, da saúde e da paz, os alicerces da felicidade.
Algum idiota disse que “mentir de coração leve é arma poderosa e arte sutil, que só se realiza plenamente na maturidade, embora seu aprendizado comece na infância”. Mas mentir não é arte (e, como arma, só serve para o suicídio). É doença que envenena primeiro o mentiroso e se espalha feito peste. E, se todos mentem, como querem os pessimistas, estamos todos doentes e partidos, ainda que alguns ocultem os sintomas.
Por criar zonas de sombra e escuridão na vida do indivíduo, não há mentira inocente. E, após a primeira, a segunda e a terceira se tornam inevitáveis. Aí, a vítima penetra cada vez mais fundo na vida oculta ou secreta, que precisa proteger dia e noite do olhar de outros, para que seu castelo de areia não desabe.
Como pode ser feliz alguém que usa o máximo de energia para criar uma uma vida secreta até (ou principalmente) das pessoas que julga amar? Se percebesse que o castelo traz infelicidade, bastaria abandoná-lo para desfazer os enganos que inventou e que são a causa de sua insegurança, ansiedade, depressão e mal-estar.
Por não ouvir os poetas, ele se fez prisioneiro do castelo e dos segredos. E a mentira, como erva daninha, irá tomar a sua mente, corpo, gestos e vida. A única vantagem é que, se for cristão, nem precisa temer a condenação ao inferno, após a morte. Ele é seu próprio tormento, como no poema de Camões, e construiu um inferno pessoal. E o inferno dos outros.
Nossos políticos deveriam ler Camões, Drummond de Andrade e outros poetas, mas são poucos, muito poucos, aqueles que sabem ler.


Tião Martins

2 comentários:

  1. certa vez um grande homem disse:

    "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" - João 8:32

    é tão simples que as pessoas não entendem.

    parabéns pelo texto Tião

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  2. Muito bom o texto!
    Cheio de cultura e conhecimento!
    Parabéns!

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