segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A solução não é a redução da Menoridade Penal


É fácil vir aqui me mandar matar,
Difícil é dar uma chance à vida! [MV Bill]

Ora, já não é sem tempo de nos despirmos dessa ingenuidade que nos cerca e compreendermos que o sistema clássico de justiça não tem condições de enfrentar sozinho essa crise que estamos vivenciando atualmente. Mister lembrar que o sistema penal está cada vez mais sobrecarregado, o processo penal está fragmentado e ambos foram convertidos em verdadeiros depositários das frustrações gerais e coletivas.
Quem entende que a rigidez seria a resposta eficaz, a solução mágica, remédio para todos os males, está, na verdade, tentando esquecer que o problema da criminalidade possui outras raízes, qual seja de caráter eminentemente social.
Atualmente estamos vivendo uma cultura de violência, entretanto essa cultura de violência não se confunde e não se superpõe à cultura do não-reconhecimento de direitos, do preconceito, da discriminação. Impera a noção do Estado dadivoso em vez de direitos e deveres dos cidadãos. A sociedade nem sequer admite essas diferenças culturais existentes entre as pessoas, quando não as nega e camufla. No entanto, essa realidade exigiria distintas abordagens e conteúdos diversos de políticas públicas, de modo que possibilitasse multiplicidade de opções para dar conta das demandas e necessidades da população excluída. (LEVISKY, David Léo).No entanto, em meio a esse fenômeno complexo da violência, onde a criminalidade cresce o discurso justificador do estado punitivo, como forma eficiente de garantir a segurança da população a partir do encarceramento, que parece ser a única solução encontrada, não apenas para a violência concreta, mas também para o sentimento de insegurança que é gerado pela opinião pública e pelos meios de comunicação de massa. Assim sendo, a legitimidade estatal ganha força simplesmente na tarefa de repressão e segregação, os quais são propagados como solução diante do “sonho da sociedade perfeita isenta de conflitos”. (COSTA, Ana Paula Motta). De acordo com Lúcia Capitão os traços punitivos e assistencialistas das práticas institucionais permanecem até hoje. Vale lembrar que as formas de ser dessas práticas testemunham em favor de estratégias sociopedagógicas que pretendem responsabilizar adolescentes infratores através de sua culpabilização individual. Por outro lado, impõem-lhes sofrimento e isolamento, através de formas assistencialistas de atenção que se atualizam na produção social da passividade e desresponsabilização.
Importante ressaltar que a teoria da punição teria sido, nas transações passadas da humanidade, totalmente diferente se os homens tivessem se despido das emoções da raiva e do ressentimento; se eles tivessem considerado um homem que tortura o outro pelo que fez da mesma maneira que consideram uma criança que bate na mesa; se eles tivessem usado sua imaginação e avaliado de forma apropriada o valor do homem que trancafia na prisão e tortura periodicamente algum criminoso atroz, considerando meramente a congruidade abstrata do crime e da punição, sem nenhum benefício para outros ou para si; se eles tivessem visto a punição como aquilo que deve ser regulado apenas por um cálculo desapaixonado do futuro, sem deixar que o passado entre, ainda que por um momento nos procedimentos. (VERVE: revista semestral NU-SOL ). Considerando tais possibilidades é que recordo aqui um questionamento feito por Nietzsche: “pergunta-se mais uma vez: em que medida pode o sofrimento ser compensação para a ‘dívida’?” ( NIETZSCHE, Friedrich)Vale dizer que a penanão visa reparar, e sim castigar.
Foucault afirma que antigamente a pena tinha caráter de vingança, isto é, era sempre aplicada tempos depois da agressão inicial (um prato para se degustar frio).(FOUCAULT)
Assinala Capitão que o poder punitivo de uma sociedade institucionaliza o poder (Estado), selecionando algumas pessoas que estarão sujeitas a sua coação e à imposição de suas penas. A referida seleção penalizante que corresponde à criminalização efetiva-se por vários segmentos que compõem o sistema penal. Através dela, há um acesso negativo dos sujeitos à comunicação social, contribuindo para a criação de esteriótipos.(CAPITÃO, Lúcia.)
Deste modo, diante da inegável falência do nosso sistema carcerário e da instituição destinada ao público infanto-juvenil, que muito se assemelha ao sistema prisional, faz-se necessário encontrarmos alternativas eficazes.
Para Marcos Rolim, o ECA, é uma das legislações mais avançadas em todo o mundo, ainda não foi devidamente implementada no Brasil e o descompromisso da maioria dos governos e do próprio Poder Judiciário é mais que evidente.
Dentre as penalidades e o modo de aplicá-las de forma proporcional aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no público a impressão mais eficaz e mais durável e, igualmente, menos cruel ao corpo do culpado.  (BECCARIA, Cesare)
O argumento de que a redução da menoridade penal vai diminuir a criminalidade no Brasil é falacioso. Ressaltemos ainda uma omissão por parte do Estado, o qual é responsável por essas políticas de bem-estar. Ademais, o Estado deve proporcionar serviços de acompanhamento para a reinserção social do jovem no sistema socioeducativo.
Epifânio refere que estamos trabalhando com uma problemática social, a princípio sem solução. Tudo que fazemos, até o presente momento, é nos debater para tentar tirar de nós, um inseto asqueroso, como a violência, que volta e meia insiste em nos rodear, quando não resolve nos picar. Um problema que só aumenta, porque negligenciamos as causas de sua aparição e da insistência em permanecer e tornar-se cada vez mais hostil, agressivo e também letal.
Reformas profundas são imprescindíveis à efetiva humanização da justiça penal e sua harmonização com a realidade atual. Diante da problemática da pena de prisão, inovações poderiam ser implantadas.(FERNANDES, Newton). O imaginário da sociedade atual ainda possui, de acordo com Levisky, a crença salvadora nas leis, ou seja, na sua força de não apenas regular, mas de construir realidades, e mais, de solucionar problemas, criar realidades ideais harmoniosos e, de antemão, livres de qualquer tensão. Dessa forma, somos capazes de depender por muito tempo na elaboração de regras, portarias, decretos, Constituições, programas, etc., esperando que a realidade se amolde e se constitua à imagem e semelhança dos nossos projetos primorosamente redigidos.
Conforme nos assegura Zehr o entorno carcerário é estruturado com o fim de desumanizar. Os prisioneiros recebem um número, um uniforme, pouco ou nenhum espaço social. São privados de praticamente todas as oportunidades de tomar decisões e exercer poder pessoal. De fato, o foco de todo o ambiente é a obediência e o aprendizado de aceitar ordens. Numa situação assim a pessoa tem poucas escolhas. Assim, não é de se surpreender que aqueles que melhor se conformam às regras da prisão são os que pior se adaptam à vida na comunidade depois de soltos.( ZEHR, Howard)
Oportuno salientar que o Estado aplica de forma exagerada o poder de punir, preocupando-se pouco ou quase nada com a ressocialização do transgressor, bem como não presta qualquer assistência à vítima da violência.
Vale dizer que cada vez que um adolescente comete uma infração, o tema menoridade penal vem à baila. No entanto, evidente que medidas mais repressivas, o endurecimento, redução da menoridade penal de nada adianta para a redução da criminalidade. Ocorre o que chamamos de Direito Penal Simbólico, ou seja, medidas mais repressivas nos dão a falsa sensação de que algo está sendo feito, mas na verdade, o problema só agrava.
Penso que a redução da menoridade penal não é a solução para conter a criminalidade no Brasil.
Observa-se que o aumento da criminalidade nas últimas décadas e a produção do medo devido à insegurança, gerada através da violência urbana representada pela mídia e o imaginário social, somado com a incapacidade do Estado em administrar os reais problemas que afetam a sociedade brasileira, tais como a desigualdade e exclusão social (CAMUS), permitem que a “solução penal” seja vista como inibidora dos problemas sociais.
Nesse sentido recorro às palavras de Gomes. O autor refere que não existe “produto” midiático mais rentável que a dramatização da dor humana gerada por uma perda perversa e devidamente explorada, de forma a catalizar a aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os sádicos que destroem a vida de inocentes e indefesos. As vítimas (ou seus familiares), a população e a mídia, hoje, constituem o motor que mais impulsiona o legislador (e, muitas vezes, também os juízes). É, talvez, a corrente punitivista mais eficiente em termos de mudanças legislativas, que tendem a aceitar o clamor público por penas mais longas, cárceres mais aviltantes, eliminação das progressões de regime, cumprimento integral da pena, nada de reinserção nem permissões penitenciárias, saídas de ressocialização etc. (GOMES, Luiz Flávio Gomes)
Portanto, diante da falência dos meios de repressão estatal, surge tanto para o adulto quanto para o adolescente a necessidade de visões alternativas fundamentadas em princípios e experiências, de modo que possam guiar nossas buscas por soluções à crise atual. (ZEHR, Howard)



 







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