terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Cérebros complacentes

 

            Nada é tão saboroso quanto ser dono do seu tempo. Os baianos são mestres nessa arte. Baiano jamais se inquieta com a falta do que fazer, pois isso só prova que ele é filho de Deus. Mas outros brasileiros, especialmente os paulistas, sofrem horrores, nos raros segundos de liberdade. Inquietos e infelizes, procuram logo uma ocupação útil. Se for sábado e a mulher estiver por perto, pode ser ela a atração passageira. Se não estiver, vão lavar o carro, ocupação melhor ainda, pois economiza os reais do flanelinha.

Os paulistas são bisnetos, netos, avós e bisavós de uma ética que se convencionou atribuir aos protestantes, mas que floresce em Piratininga desde o século XVIII. É algo do tipo “só o trabalho justifica a vida”. Excluídos os paulistas, portanto, nada é mais saboroso que ficar à toa na vida de vez em quando, sobretudo se cai uma chuva forte lá fora e o morro no fundo da casa ainda é sólido.
Tardes assim, feitas para a inutilidade, harmonizam-se perfeitamente com as revistas chamadas de “femininas”, ofensa que as mulheres deveriam denunciar. Afinal, se feminilidade fosse isso, nenhum homem suportaria as mulheres além dos minutos necessários à reprodução da espécie.
Essas publicações, que se multiplicam feito bactérias em sangue fraco, costumam publicar a correspondência das leitoras sobre “os temas mais importantes na vida da mulher”. Temas iguais ao que se segue, exibido em recente edição: “Devo ficar casada com alguém que já não amo?”
A primeira resposta veio de uma jovem solteira: “Não, você não deve. Nosso tempo deve ser gasto com coisas importantes e que nos tragam progresso e felicidade, sem prejudicar qualquer outro ser, especialmente o humano”.
Havia outros momentos mágicos de desafio à inteligência, na mesma revista, como o depoimento da adolescente gaúcha sobre o rapaz estudioso (e mais velho) com quem está ficando. O tal ficante, diz a menina, acha que é esperto só por saber coisas inúteis sobre o sistema solar, as descobertas da Física e o sistema nervoso.
Não sou cérebro-dependente, cara – diz ela. – Pra mim, sistema nervoso é só quando meu velho fica atacado porque cheguei depois da hora.
Deve ser brincadeira. Ela não parece tão tola, mas sabe que se bancar a esperta a revista vai marginalizá-la. As matérias dessa publicação, produzida em São Paulo, seguem quase esse modelo. São feitas para cérebros complacentes, que aceitam o nada como verdade e esquecem o resto na balada. “Cérebros de videogame”, diz um velho professor, do tempo em que professores davam aulas.
Essas revistas deviam ser processadas criminalmente por assédio moral e propaganda enganosa. Antes, vendiam o sonho do príncipe encantado. Hoje, difundem a tese de que a mulher deve ser vitoriosa na profissão, esperta no trabalho e sexy em tempo integral, além de ganhar bem e cozinhar melhor que Alex Atalla ou Claude Troigros. Só não podem é ser inteligentes. Aí é pecado mortal.
Pecou, dançou.



Tião Martins

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