segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O arrastão dos viciados.



A pretexto de combater o uso do crack, o Governo federal e as autoridades de diversos Estados avisam ao distinto público que vão cometer um atentado à Constituição e um crime contra milhares de brasileiros: a hospitalização forçada dos viciados.
Sabendo da ameaça, Doutor Fontes, que foi contemporâneo, na Faculdade de Direito da UFMG, de ilustres juristas e homens públicos, como Roberto Brant, Mauro Mendes e Leopoldo Bessone, emitiu parecer radicalmente contrário a essa maluquice.
Para ele, trata-se, em primeiro lugar, de um abuso de autoridade, definido na lei como “qualquer atentado à liberdade de locomoção” ou o ato de “ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”.
O admirável homem da lei lembra aos governantes que o cidadão adulto que usa o crack não é criminoso e, segundo a Constituição, não pode ser detido e internado à força em manicômios ou estabelecimentos semelhantes. Eis um trecho do parecer:
- A Constituição protege não só a intimidade das pessoas, mesmo que sejam culpadas, mas também sua dignidade, e estabelece que ninguém deve ser submetido a tratamento degradante. Além disso, o Estado não pode violar a Constituição a pretexto de fazer cumprir a lei.
Mas é isso que os governantes estão fazendo, em São Paulo e no Rio. Dona Dilma até reservou alguns bilhões de reais para estuprar a Constituição. E certos governadores chegam a encher o peito, ao anunciar a caça aos viciados.
Do ponto de vista científico, a condenação da brutalidade é ainda mais explícita. Como profissional conceituado e acima de qualquer suspeita, o psiquiatra Edmar Oliveira, que dirigiu o Instituto Nise da Silveira, no Rio de Janeiro, acusa as autoridades do setor de saúde de utilizarem o eufemismo do acolhimento involuntário “para criminalizar a pobreza”.
De modo geral, os profissionais de saúde mental que rejeitam a estratégia da hospitalização, como o doutor Edmar, declaram que o rótulo “acolhimento involuntário” é uma farsa e significa o retorno “de um modelo cruel e historicamente falido”.
- Ou bem o acolhimento é voluntário ou, se involuntário, aí não é mais acolhimento, e sim recolhimento. E a política do recolhimento involuntário oferece apenas um dispositivo: a antiga e inadequada internação psiquiátrica, com seu caráter repressivo e violador dos direitos humanos.
O psiquiatra entende que essa forma de combater o crack não é tratamento adequado e resolutivo, mas um retorno ao “tratamento moral” do começo da psiquiatria, no século XVIII. E conclui, com ironia, que “todos nós estamos ‘usando’ o crack para esconder nossa sujeira debaixo do tapete.”
Sociólogos desvinculados de órgãos públicos também condenam a caçada e levantam a suspeita de que essa pressa dos governantes tem o objetivo de “limpar as ruas e praças antes da Copa do Mundo, para que os estrangeiros não vejam as nossas cracolândias”.
Do seu canto discreto, na pensão dos doentinhos, Doutor Fontes adverte que violar a Constituição é o suicídio da democracia. Mas, confiante no Judiciário, espera que o Supremo Tribunal Federal, como Corte constitucional, saiba impedir o pior:
O Estado começa pelo arrastão dos drogados, para depois recolher fumantes de tabaco, jornalistas, críticos, artistas e políticos de oposição. Já vimos esse filme. E é uma insanidade repeti-lo no século XXI.


[Tião Martins]

Um comentário:

  1. Meu tio já foi usuário e Crack foi uma dura batalha para conseguir vencer.
    Graças a Deus ele está livre.

    Gostei muito daqui,
    Ti sigo.

    Um Beijo
    http://minhaformadeexpressao.blogspot.com/

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